Oficina de carvão ativado com sementes de juçara para filtrar metais pesados da água de Máquiné

Um sábado de descobertas com sabor de açaí juçara aconteceu dia 29 na comunidade da Barra do Ouro, em Maquiné (RS), com a oficina de carvão ativado para filtro de água usando sementes de juçara, técnica desenvolvida pela jovem maquinense Maria Eduarda Santos de Almeida. O carvão ativado é usado como componente de filtros de água, além de outras aplicações, no caso do carvão testado por Maria Eduarda, comprovou-se sua capacidade de diminuir o teor de ferro e manganês, metais abundantes na água do município. Participaram estudantes e professores das escolas Estadual Hilário Ribeiro e Municipal Euclides da Cunha, além de agricultores e entusiastas da agroecologia. A atividade foi realizada pelo Projeto Taramandahy – Fase III, executado pela Anama, com apoio do Comitê Tramandaí e patrocínio da Petrobras, por meio do Governo Petrobras Socioambiental e Governo Federal.

Maria Eduarda (centro) fala da pesquisa

Maria Eduarda colaborou com o Projeto “Palmeira Juçara: aproveitamento integral do fruto como alternativa de preservação ambiental e promoção de impactos econômicos e sociais positivos” durante o Ensino Médio Técnico em Administração no IF Sul (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (Campus Osório)). Tal projeto pesquisou o uso das sementes que sobram da despolpa da juçara na região e foi orientado pela engenheira de alimentos professora Flávia Twardowski, que também esteve presente na oficina.

Professora orientadora do projeto de pesquisa Flávia Twardowski, com Maria Eduarda

Na conversa inicial, Maria Eduarda, hoje com vinte anos, envolveu a todos ao falar das descobertas possíveis quando se tem uma postura participativa na escola, aliada ao apoio de professores/as: “Vocês podem fazer coisas muito loucas e a escola está aí para ajudar … sei que vocês têm muito potencial…”, instigou os alunos. Com o projeto, ela foi finalista da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) e selecionada para a Feira Internacional de Ciências e Engenharia da Intel 2016 (Intel ISEF), onde ficou em 4º Lugar na categoria Engenharia Ambiental; viajou pelo Brasil, aos EUA e Israel para apresentá-lo.  Atualmente, estuda física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Cacho de frutos colhido em quintal na Barra do Ouro

As sementes previamente preparadas (a receita está abaixo) foram colocadas no forno de barro comunitário para pirolisar por 3 horas. Enquanto isso, os participantes percorreram as ruas da localidade para identificar a palmeira juçara nos quintais e fazer a coleta do fruto, com facilitação do produtor de polpa de açaí juçara Rafael Ritter. A maioria dos participantes aceitaram o desafio de subir no pé para coletar o cacho. Além do cacho maduro colhido, outros cachos foram doados por agricultor familiar de Osório. Os cachos foram debulhados e os frutos selecionados, lavados, sanitizados, amornados em água e despolpados em uma despolpadeira vertical que a ANAMA disponibiliza para famílias agricultoras.

Despolpa do açaí juçara enquanto se esperava pela torra do carvão

A polpa fresquinha foi experimentada pura e misturada com frutas, como banana e limão. O sabor foi aprovado em unanimidade! Para finalizar o ciclo virtuoso dessa palmeira, espécie chave da Mata Atlântica, o ecólogo e coordenador do Projeto Dilton de Castro orientou a produção de mudas com as sementes provenientes da despolpa.  Os jovens botaram a mão na massa do início ao fim! A participação de todos foi presenteada com sorteio da segunda edição – recém publicada – do Atlas Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí, produzido na Fase I do Projeto, bem como por materiais de contrapartida do Taramandahy, como as desejadas sombrinhas (aqui na região chove muito) que fizeram sucesso entre a ‘gurizada’.  

degustação da polpa e sucos de juçara

“Há quinze anos fazemos esse trabalho de valorização da palmeira juçara por meio do uso dos frutos, como uma estratégia de conservação e de alternativa de renda para as famílias agricultoras de Maquiné e outros municípios da região da Bacia Hidrográfica do Tramandaí. O novo dessa oficina e que preenche nosso coração e nosso trabalho de sentido, foi o envolvimento de jovens e de seus potenciais. Jovens como Maria Eduarda, com sua curiosidade, inteligência e comprometimento, que foi capaz de dar passos ainda não dados no desenvolvimento deste carvão ativado. E jovens e crianças das escolas do município, nascidos quando esse trabalho já era desenvolvido, mas ainda pouco envolvidos diretamente com ele. E que mostraram uma capacidade de encantamento surpreendente! O dia de hoje foi para fortalecer nossos sonhos de ver esses vales e municípios, eminentemente rurais, cheios de iniciativas produtivas que fazem com que as pessoas permaneçam aqui, felizes e criativas, lidando com agricultura ecológica, agroflorestas, processamento, turismo e tantas outras possibilidades que eles virão a criar a partir de suas inteligências e conhecimento da natureza”, relatou Mariana Ramos, assessora técnica do Projeto e responsável pela atividade.

A seguir, acompanhe o processo de produção de carvão ativado com semente de açaí juçara

Forno de barro comunitário da Barra do Ouro

A produção do carvão ativado iniciou um dia antes, com a lavagem das sementes doadas por unidade de processamento de Osório. Depois de bem limpas e secas, as sementes foram colocadas em uma solução de água e soda cáustica por entre 12 e 24 horas. A proporção é de 1kg de sementes para 1 litro de água e 40g de soda. É preciso usar luvas de borracha e cuidar para não inalar a soda. Após o molho na soda, as sementes devem secar novamente antes de irem ao forno de barro para virarem carvão, por meio do processo de pirólise. Para secarem, as sementes foram colocados no forno comum (a gás, ou elétrico) a 180C por 5 horas. O próximo passo é a pirólise. Maria Eduarda desenvolveu a técnica usando fornos de barro pois são comuns nas comunidades rurais de Maquiné, tanto nas casas das famílias agricultoras quanto nos salões paroquiais. Esses fornos são aquecidos a lenha e a brasa é afastada para os cantos, mantendo o calor. São muito usados para a produção de pães, biscoitos e outros. No dia 29, foi utilizado o forno de barro público na Barra do Ouro, construído para a Festa da Polenta. No processo de pirólise é preciso cuidar para as sementes não carbonizarem, ou seja, virarem cinzas. Maria retirou as sementes quando estas chegaram ao ponto de carvão, o que pode levar de 3 a 5h. O último passo foi triturar as sementes no liquidificador e lavar em água corrente para retirar o resíduo de soda. O carvão ativado final deve ter ph neutro (7) para ser colocado em um filtro de água e atuar na melhoria de sua qualidade, em função de seus poros, extremamente pequenos e capazes de reter micropartículas, como os metais pesados.

Carvão pronto