Dia 16 de outubro, no auditório do Centro Universitário Cenecista de Osório – UNICNEC – ocorreu o Seminário “Conversas sobre a Água”, organizado pelo Projeto Taramandahy – Fase III, com foco no Gerenciamento Costeiro integrado à gestão dos recursos hídricos das bacias costeiras. Além dos Comitês de Bacia Hidrográfica Mampituba, Tramandaí, Litoral Médio, Mirim e São Gonçalo e Camaquã, a proposta reuniu representantes da Câmara Técnica do Litoral, da associação dos Oceanógrafos, de gestores costeiros, Universidades e Patrimônio da União. O Projeto é realizado pela Anama, com apoio do Comitê Tramandaí e patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental e Governo Federal.
O presidente do Comitê Tramandaí João Vargas de Souza abriu o Seminário, contando um pouco da história do Comitê, o qual foi criado oficialmente em 1999: “…antes da criação oficial, participamos de audiências junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) para criar o Zoneamento Ecológico e Econômico do Litoral, publicado em 2000. Segundo o presidente, a partir de 2003 começaram a produzir o Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí, atualmente com a Fase C e em pausa, por falta de recursos.
Em seguida, o ecólogo Dilton de Castro, coordenador do Projeto Taramandahy – Fase III apresentou a atuação parceira entre Projeto e Comitê Tramandaí: “O Comitê é apoiador do projeto e também beneficiário… A Anama (associação que executa o Projeto) ocupa uma das cadeiras de organizações não governamentais ambientalistas da sociedade civil, sendo que a área de atuação do Projeto possui a geografia natural …que forma a bacia hidrográfica, a qual reflete a sociedade, seus meios de produção, socioeconômica e cultural”, esclareceu.
Castro deu início à exposição das ações realizadas nesta fase do Projeto, bem como o histórico desde a primeira fase, em 2010: “Começamos este projeto em 2010, ele conta com uma base de dados de ações acumuladas que se iniciou a partir da representação no Comitê Tramandaí, com o qual foi feito um Diagnóstico em 2005, relatando questões de consumo e qualidade de água da época, bem como as principais demandas. O diagnóstico embasou a proposta que ganhou edital da Petrobras, com objetivos de gestão integrada dos recursos hídricos da Bacia do Tramandaí, sendo proposta com uma série de ações”, lembrou.
Projeções para a qualidade da água da bacia do Tramandaí
Um dos sete eixos de ações integradas de gestão dos recursos hídricos da bacia do rio Tramandaí proposto pelo Projeto colabora com o monitoramento da qualidade e quantidade da água da bacia, o qual se iniciou entre 2008-2009 pelo Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos da Universidade Federal do RS (CECLIMAR/UFRGS) e, a partir de 2010, com aporte e parceria do Projeto Taramandahy. Nesta fase III, foram 6 campanhas de monitoramento em 14 pontos distribuídos ao longo da bacia, desde pontos de nascentes de rio, planície e foz, bem como pontos nas lagoas, incluindo as de importância regional, econômica e para abastecimento.
A Dra. Em Química Cacinele Rocha trabalha desde o início junto ao Ceclimar. Ela apresentou os resultados dos monitoramentos realizados ao longo de dez anos: 2009-2019, os quais comprovam projeções de qualidade da água para os próximos 30 anos, levando em consideração parâmetros como: temperatura, PH, Oxigênio dissolvido e concentração de nutrientes e de Escherichia coli: “O que fica evidente é uma involução da qualidade de água”, destaca Rocha. Segundo a pesquisa, a temperatura média das águas aumentou 7 % (obviamente um reflexo do que está ocorrendo com o clima, em função do aquecimento global) e em trinta anos a temperatura média da água vai ficar em torno de 27 C: “…isso é muito quente e haverá ambientes que vão se tornar mortos”, ressaltou ela.
Quanto ao PH (indicador de acidez que, segundo indicação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) a faixa ideal fica entre PH 6 a 8), a pesquisa mostra a tendência a um PH mais ácido da água, tendo ocorrido uma redução de 11 % nos valores médios, em 2009 a média era 6,31 e em 2019 passou a 5,58, e a projeção para apenas dez anos aponta para PH em 4,85, resultando em água ácida: “…isso é muito baixo, poucos organismos sobrevivem num PH assim e estamos projetando apenas dez anos”, explicou Rocha. Quanto ao oxigênio dissolvido, é uma das características mais importantes, porque vai dar, ou não, as condições para os organismos se desenvolverem. Com o ideal em torno de 8 e 9, em 2009 tivemos uma média de 6,78; em 2019 chegamos a 5,69, 15% menos, e a prospecção para nos próximos 30 anos é que cheguemos a 2,40. Conforme afirma Rocha, “nada sobrevive a isso”. Ela explica também que um dos maiores consumidores do oxigênio na água é a matéria orgânica: esgoto humano, animal e fertilizantes químicos.
A tendência dos monitoramentos indica ainda aumento na concentração dos nutrientes Nitrogênio (N) e Fósforo (P), presentes em dois dos químicos mais utilizados para fertilizar o solo: NPK e ureia. Outra forma de contaminação por N é a urina humana ou animal. Já o P é um dos principais componentes das fezes humana e animal. O N aumentou, passando hoje a média de 0,03, e o P não aumentou: “então inferimos como possível fonte de contaminação a ureia”, ressalta a química. A perspectiva é que o N continue subindo e alcance 0,14 em 2039.
Escherichia coli é uma bactéria que se encontra normalmente no trato gastrointestinal dos organismos de sangue quente, é indicadora de contaminação fecal de animais e pode estar relacionada aos criadores ao longo do curso dos rios e nas margens das lagoas, além do esgoto não tratado escoado nos cursos d’água. Houve um aumento de 35 unidades p/cada 100 ml de água para 162 unidades e a projeção para os próximos 30 anos, é de 500 unidades formadoras de colônia para cada 100 ml, o que acarretará contra indicação até para uso primário (de banho) nas águas contaminadas.
“Caso estes dados se confirmem, vamos ter uma restrição muito grande dos usos da água, em algumas situações vamos ter usos só para paisagens e navegação, sem esquecer que a comunicação de subterrânea é permanente e estamos contaminando outro manancial. Vai para abastecimento, mas vamos precisar de tratamento muito melhor”, desabafou Rocha.
Ações do Projeto Taramandahy
Algumas das muitas ações realizadas pelo Projeto em prol da gestão integrada dos recursos hídricos da bacia do Tramandaí foram, em seguida, apresentadas ao público pelos assessores técnicos: Rodrigo Gastal de Magalhães – Restauração ecológica; Valéria Bastos – Programa de educação ambiental, alimentar e nutricional; Letícia Troian – Meliponicultura; Gustavo Martins – Agricultura familiar e agroecologia; e a estagiária Natasha Magni – Gestão ambiental e territorial dos Mbyá Guarani do LN.
Também houve relatos de beneficiários do Projeto que deram seu depoimento emocionado: agricultora e meliponicultora Maria Inês Gonçalves Flores; nutricionista do município de Capão da Canoa Liziane Moreira; agricultor agroecologista João Antônio Agliardi Silveira; e Francisco Antônio Viveiros do Reis, da Rede de orgânicos do Litoral e da Rede de Educação Ambiental do LN.
Comitês das Bacias Hidrográficas do Litoral gaúcho
O presidente da Câmara Técnica do Litoral e do Comitê Mirim São Gonçalo André Luiz Oliveira abriu os debates da parte da tarde antecipando a apresentação dos demais comitês de bacia que fazem parte da região do Litoral gaúcho: Comitês Mampituba, Litoral Médio e Camaquã.
Oliveira destacou a importância dos Planos de Bacia Hidrográfica enquanto instrumento de gestão dos recursos hídricos dentro da Política Nacional dos Recursos Hídricos e chamou a atenção que apenas um Comitê, dos cinco que fazem parte do litoral, chegou à Fase C de seu Plano de Bacia. Ele também relatou a diminuição de atuação do gerenciamento costeiro na bacia do Tramandaí, o qual no passado era muito muito qualificado e ressaltou a falta de política de gestão na Lagoa dos Patos, bem como a necessidade de ampliar a gestão neste corpo hídrico.
Gestão Costeira integrada à gestão hidrográfica das bacias costeiras
A Mesa Redonda apresentou relatos e debates sobre a Gestão Costeira e a aplicação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos em bacias costeiras, com mediação do oceanógrafo e representante da Aoceano (Associação dos Oceanógrafos) no Comitê Tramandaí (AOCEANO), Luiz Tabajara:
“A política sobre a gestão costeira e a Política Nacional de Recursos Hídricos são duas políticas públicas importantes com interseções na zona costeira, mas que normalmente não se articulam… acreditamos que a sociedade organizada possa continuar este trabalho junto às universidades e aos Comitês de tal forma, que se consiga traduzir em soluções de garantia da sustentabilidade ambiental, junto ao lado socioeconômico das necessidades das populações ribeirinhas. Nestas duas políticas não há escalas iguais, uma é de uso dos municípios e a escala das bacias hidrográficas envolve vários municípios. A interface está no estuário, com suas ondas diárias que o saliniza. Então, além da demanda da qualidade e quantidade da água, está a questão da salinização.”
Desafios da gestão da gestão das águas no Brasil
Com a questão “É água salgada, ou doce? O desafio da gestão da gestão das águas no Brasil” o professor do Instituto de Oceanografia da Universidade de Rio Grande (FURG) João Nicolodi, enfatizou a necessidade de se superar esta diferença “água salgada ou doce”: “…é gestão das águas, assim como em outros países”, argumentou ele, enfatizando depois que em escala Federal, as políticas são distintas e pouco integradas, mas que na Política Nacional de Gestão Costeira, de 1988, já se previu esta integração com a gestão dos recursos hídricos das bacias costeiras.
Ele cita a Política Nacional de Recursos Hídricos criada no ano de 1997, mesmo ano em que a Bacia do Rio Tramandaí foi pioneira no Brasil, quando no Zoneamento Ecológico Econômico do Litoral Norte do RS, surgiu a proposição de gerenciamento costeiro integrado com recursos hídricos. No ano de 2005, o Conselho Nacional de RH instituiu a Câmara Técnica de Integração do Gerenciamento Costeiro de Recursos Hídricos, sendo que este último tem como base territorial os municípios e o mar brasileiro, em uma faixa de 12 milhas. E a base territorial da PNRH são as bacias hidrográficas, não os municípios. Neste sentido: “…com bases territoriais distintas, acabam ocorrendo complicações no trabalho de integração entre gerenciamento costeiro e gestão dos recursos hídricos”, ressaltou. Ele atenta para o local de consenso instituído pela Câmara Técnica é o estuário (com exceções, pois nem toda a desembocadura de rio é estuário, sendo que no caso da bacia do Rio Tramandaí, sim, a desembocadura do rio é no Estuário Tramandaí): “O desafio é como compatibilizar o ordenamento territorial que é basicamente o cerne da gestão costeira, ordenar a zona costeira para que este uso seja mais racional e equilibrado possível, do ponto de vista ambiental e econômico, com a gestão de recursos hídricos continentais e costeiros, considerando os aspectos de ordem política, legal, institucional, física, bioética e socioeconômica?”, Nicolodi deixou no ar esta questão.
PNRH em Bacias Costeiras
A oceanógrafa, professora da Universidade Estadual do RS (UERGS) de Osório Ester Wolff Loitzenbauer explanou sobre a “Aplicação dos Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) em Bacias Costeiras”. Ela apresentou os fundamentos da PNRH (água enquanto bem público; recurso limitado e com valor econômico, gestão para seus usos múltiplos; bacias hidrográficas) e os Instrumentos da PNRH (Planos de RH; Enquadramento; Outorga; Cobrança; e Sistema de integração de RH) permitem chegar aos Objetivos da PNRH (futuras gerações; utilização nacional e integrada; proteção contra eventos críticos; e captação de águas pluviais)
Apresentou a conceituação sobre “Bacias Costeiras” e uma de suas características principais: sua fluência que escoa no oceano: “Nas bacias costeiras, integrar as política de gerenciamento costeiro e de recursos hídricos, com a diferença que é a inter-relação entre a bacia e a zona costeira, com uma série de condicionantes, especialmente se retrata na questão de disponibilidade hídrica: salinidades, limitações de usos, planejamentos diferentes, ambientes mais planos com caraterísticas físicas e químicas diferentes, fluxo de sedimentos a serem respeitados”, comentou, esclarecendo que o principal instrumento que considera a inter-relação entre bacia e zona costeira é o Planos de Bacia, este, prevendo englobar questões levantadas pelo diagnóstico, prognostico, projeções futuras: “…tudo previsto e deve ser analisado dentro do plano para prever e minimizar possíveis impactos”, enfatizou.
Patrimônio da União – mudanças na Lei
Na apresentação “Praias marítimas e terrenos de Marinha”, o representante da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) do Ministério do Planejamento, geógrafo Cláudio Schimitz, falou sobre conceituação de “terrenos de Marinha” e “praias” e reafirmou sobre a mudança na Lei em 2015, que em resumo possibilitou a gestão das praias marítimas repassada aos municípios, ações que na prática já faziam: gestão e fiscalização compartilhada. Por meio de um termo de adesão, a novidade é que os municípios podem arrecadar as permissões que a União arrecadava, bem como a utilizar os recursos arrecadados nas políticas locais.
TERRENOS DE MARINHA: exercem uma função importante de proteção para as praias, adentram no continente pelos mares e acompanham até onde ocorre a influência de maré.
PRAIAS MARÍTIMAS: Bem de propriedade da União Federal, conforme consta na Constituição.
Gestão costeira integrada aos recursos hídricos – caso de Jaguaruna/SC
O professor do Instituto de Geociências da UFRGS Nelson Gruber explanou sobre o “Plano de Manejo de Dunas de Jaguaruna – SC: Case de Gestão Costeira visando implementação: o papel do Comitê Gestor – o Decálogo “Adaptação e riscos ao Aquecimento Global”.
Ocorreu um exemplo de planejamento de gerenciamento costeiro integrado à bacia Hidrográfica, cuja implementação teve papel importante do Comitê de Bacia, num processo de integração de gestão e comunidade por meio de Plano de Manejo, que visou sensibilizar comunidades e escolas, adaptando sua realidade à questão do aquecimento global em Jaguaruna, Santa Catarina, cuja costa possui 37 km. Destaca-se aqui o sucesso da implementação nos 500 pontos de conflitos trabalhados.
Carta de Apoio
Como fechamento do debate realizado no Seminário Conversas sobre a Água, segundo o Secretário Executivo do Comitê Tramandaí, assessor técnico do Projeto Taramandahy – Fase III e organizador do evento Tiago Lucas Corrêa, será encaminhada para avaliação da Câmara Técnica do Litoral uma Carta de Apoio às temáticas levantadas de forma a se prosseguir com os encaminhamentos necessários.